Cannabis Medicinal dá larica? Vou sentir compulsão alimentar se começar o tratamento?
Essa talvez seja uma das perguntas mais comuns no consultório — e você provavelmente chegou até aqui por essa mesma inquietação.
“Se eu começar a usar cannabis medicinal…
…vou sentir larica?
…vou comer demais?
…vou perder o controle?”
A resposta curta? Depende.
A resposta honesta, completa e realmente útil exige nuance — e é isso que você vai encontrar aqui.
Por que tantas pessoas associam cannabis à fome exagerada?
A imagem mais comum disseminada pela cultura popular é a da pessoa que fuma maconha e, logo em seguida, sente uma fome intensa, específica e urgente — a famosa “larica”.
Esse fenômeno existe e tem explicação na neurobiologia:
✔️ O THC ativa receptores CB1 no hipotálamo
O hipotálamo regula a sensação de fome e saciedade. Quando o THC ativa esses receptores, o corpo pode sinalizar fome mesmo sem necessidade fisiológica.
✔️ O THC aumenta a liberação de dopamina
Isso torna alimentos mais gratificantes e pode intensificar o desejo de comer — especialmente quando há estresse emocional.
✔️ O THC reduz temporariamente a autocrítica
Para algumas pessoas, isso facilita comportamentos impulsivos, como comer sem refletir muito.
Mas aqui está o ponto mais importante deste texto:
Esses efeitos são típicos do uso recreativo com doses elevadas de THC — não da cannabis medicinal devidamente prescrita.
Cannabis medicinal não é o mesmo que cannabis recreativa
Na medicina, a cannabis é usada de forma muito diferente daquela associada ao consumo social. Os produtos terapêuticos apresentam:
- Formulações controladas, com proporções exatas de CBD e THC;
- Doses estáveis ao longo do tratamento;
- Objetivos terapêuticos definidos (ansiedade, dor, sono, humor, entre outros);
- Supervisão médica e ajuste individualizado.
Por isso, é mais preciso perguntar:
“Qual tipo de formulação eu vou usar? Em qual dose? Com qual proporção de CBD e THC?”
Essas respostas determinam se o apetite vai ficar igual, aumentar ou até melhorar de forma saudável.
Com cannabis medicinal, eu vou sentir larica?
Na grande maioria dos tratamentos clínicos, a resposta tende a ser não. Isso porque o principal composto usado é o CBD, e não o THC.
✔️ O CBD não estimula fome da mesma forma que o THC
O CBD não ativa diretamente os receptores envolvidos na sensação de fome exagerada. Para a maioria das pessoas, seus efeitos sobre fome e saciedade tendem a ser neutros.
✔️ Em alguns contextos clínicos, o CBD pode até ajudar o apetite
Não por estimular fome, mas por reduzir fatores que tiram a vontade de comer, como dor, náusea ou ansiedade — algo observado em doenças inflamatórias intestinais, dor crônica e perda de peso involuntária. Isso é diferente de “dar larica”.
✔️ O THC medicinal costuma estar em microdoses
Quando o THC é usado terapeuticamente, ele aparece em doses pequenas, bem diferentes do uso recreativo fumado.
✔️ A formulação é escolhida conforme o objetivo do paciente
Se o objetivo é não estimular apetite, escolhem-se produtos ricos em CBD e com pouco ou nenhum THC.
Já em situações como câncer, caquexia ou perda de peso, o médico pode optar por formulações com mais THC justamente para aumentar o apetite.
Ou seja: não existe regra única — existe a formulação mais adequada para a sua necessidade.
E se eu já tenho compulsão alimentar?
Se você já vive episódios de comer sem controle, é natural ter receio de qualquer substância que possa mexer com apetite ou impulsos.
É importante separar duas realidades completamente diferentes:
Uso recreativo:
— THC alto
— dose instável
— efeito rápido e desinibidor
— pode aumentar apetite e reduzir controle emocional
Uso medicinal:
— CBD predominante
— THC, se presente, em microdose
— formulação estável
— acompanhamento contínuo
— foco em modular ansiedade, sono e humor
Pesquisas recentes sugerem que o uso recreativo pode estar associado a episódios de compulsão alimentar em mulheres jovens, mesmo após ajustar fatores como depressão e IMC. Esses achados ainda são específicos de alguns estudos e não constituem consenso, mas indicam que há perfis mais sensíveis a esse efeito.
Já na cannabis medicinal, o objetivo não é desencadear fome, e sim tratar sintomas como ansiedade, estresse e perturbações do sono — fatores frequentemente envolvidos no ciclo do comer emocional.
Há indícios de que o CBD pode ajudar a reduzir a reatividade emocional, a impulsividade e a ansiedade antecipatória, o que indiretamente pode tornar episódios de compulsão menos frequentes. Mas esses são efeitos promissores, ainda baseados em estudos iniciais — não são uma indicação formal e não substituem terapia ou acompanhamento nutricional.
Quando a cannabis pode aumentar o apetite (e quando não)
Para deixar claro de forma prática:
A cannabis tem mais chance de aumentar apetite quando:
- A formulação tem alto teor de THC;
- O uso é recreativo, fumado ou vaporizado;
- Há instabilidade emocional importante no mesmo período;
- O uso acontece em busca de alívio rápido;
- Não há acompanhamento profissional.
E é pouco provável que aumente apetite quando:
- A formulação é rica em CBD;
- O THC está em microdose terapêutica;
- Há supervisão médica;
- A dose é estável e construída ao longo do tempo;
- O objetivo terapêutico não é estimular apetite.
Resumo direto para quem busca clareza
Se você está pensando em iniciar tratamento com cannabis medicinal e se pergunta:
“Vou ter larica?”
“Vou engordar?”
“Vou perder o controle com comida?”
Em tratamentos médicos bem indicados, a resposta mais comum é: não necessariamente — e muitas vezes, não.
✔️ Cannabis medicinal rara vez desencadeia compulsão alimentar.
E em alguns casos, pode até ajudar na redução de fatores emocionais que contribuem para o comer impulsivo.
❌ Já o uso recreativo, especialmente com THC alto, pode aumentar apetite e descontrole em alguns perfis — embora isso não seja regra universal.
Conclusão — mais do que medo, você merece informação
Você não precisa tomar decisões no escuro. E também não precisa ter medo da cannabis medicinal por associações que pertencem ao uso recreativo e não à prática clínica.
Cannabis medicinal não é vilã nem milagre. É uma ferramenta terapêutica que deve ser usada com responsabilidade, indicação adequada e supervisão profissional.
O que realmente importa é o como, o porquê e o para quem — e tudo isso faz parte de uma decisão compartilhada com o seu médico.
💬 Conteúdo informativo. Não substitui avaliação médica individualizada.